O NOW (e outros streamings que alugam filmes) estão exibindo MONSTER, filme que o cineasta japonês Kore-eda Hirokazu levou ao Festival de Cannes, em 2023. O filme ganhou a Palma de Ouro de Melhor Roteiro, um prêmio mais do que merecido para o script de Yuji Sakamoto.
No filme O GRANDE MAGNATA, que Elia Kazan dirigiu com Robert De Niro, em 1976, há uma cena em que o Produtor Monroe Stahr explica a um jovem roteirista como se constrói um ótimo roteiro, dizendo (e ao mesmo tempo ocultando) coisas da platéia. Aquela cena inesquecível me veio à memória ao entrar em contato com o elaboradíssimo roteiro de Sakamoto.
MONSTER tem três versões do mesmo fato. Um menino adolescente japonês chega em casa com marcas de maus tratos e um comportamento de quem foi vítima de abuso. Cobrado pela mãe, ele acusa um jovem professor da escola onde frequenta. A primeira versão dos fatos que vemos é a construída pela mãe, a partir da narrativa do filho. A mãe, justificadamente injuriada passa a cobrar da escola uma solução para o abuso sofrido pelo filho.
Aí entra uma segunda versão do fato, pela ótica do professor Hora, o acusado. Nessa segunda história passamos a ver coisas, que por serem desconhecidas da mãe do menino, não apareciam na primeira versão. O drama do professor e seus pares vem à tona.
Nesse momento, o filme entre com uma terceira versão, mais completa que introduz o drama pelo lado do menino abusado e seu amigo mais próximo na escola.
Esse tipo de roteiro que apresenta versões de um mesmo fato dentro de um filme ficou conhecido como modelo RASHOMON, graças ao filme que o mestre Akira Kurosawa dirigiu em 1950, onde um crime tinha várias versões apresentadas durante um julgamento.
O trabalho de roteirista de Sakamoto merece todos os elogios e prêmios que vêm recebendo. Foi a primeira vez que o diretor Kore-eda fez um filme sem ser a partir de um roteiro próprio. Sinal que viu a excelência da história de Sakamoto.
O elenco de MONSTER também é fora de série. Sakura Ando, Eita Nagayama, Yuko Tanaka (extraordinária como a Diretora da Escola que também tem um drama em sua vida) e, principalmente, os meninos Soya Kurosaka e Hinata Hiragi, que dão vida a Minato e Yori, os dois amigos centro da história.
Um destaque especial para a última trilha sonora do genial músico e ator japonês Ryuchi Sakamoto, falecido recentemente.
MONSTER tem, em cada cena, um humanismo muito raro de se ver. O drama poderoso chega sem meias palavras, mas é cercado de um exame profundo em preconceitos, machismos, violência física e psicológica, problemas ambientais, culpa e castigo, solidão, mentira, segredos, um verdadeiro caleidoscópio de problemas atuais da sociedade japonesa e, por tabela, de todas.
Kore-eda é mestre em fazer cenas poderosas a partir de situações do dia a dia. Por exemplo, a cena em que Saori está na escola cobrando uma solução e recebe pedidos de desculpa da Diretora e de todos os encarregados da escola é um primor cinematográfico. Exemplar.
Como o poderoso e surpreendente final, onde Minato e Yori tentam escapar de uma tempestade violenta. Ali se vê não somente a excelência do roteiro de Sakamoto, como a força da direção de um cineasta superior.
MONSTER é um dos grande filmes de 2023.
NOW (and other streaming services that rent films) are showing MONSTER, a film that Japanese filmmaker Kore-eda Hirokazu took to the Cannes Festival in 2023. The film won the Palme d’Or for Best Screenplay, an award more than deserved for the script by Yuji Sakamoto.
In the film THE LAST TYCOON, which Elia Kazan directed with Robert De Niro in 1976, there is a scene in which Producer Monroe Stahr explains to a young screenwriter how to construct a great script, saying (and at the same time hiding) things from the audience. . That unforgettable scene came to mind when I came into contact with Sakamoto’s very elaborate script.
MONSTER has three versions of the same fact. A Japanese teenage boy arrives home with signs of abuse and the behavior of someone who has been a victim of abuse. Charged by his mother, he accuses a young teacher at the school where he attends. The first version of the facts that we see is the one constructed by the mother, based on her son’s narrative. The mother, justifiably insulted, starts demanding a solution from the school for the abuse suffered by her son.
This is where a second version of the incident comes in, from the perspective of Professor Hora, the accused. In this second story we start to see things, which, because they were unknown to the boy’s mother, did not appear in the first version. The drama between the teacher and his peers comes to the surface.
At this point, the film comes with a third, more complete version that introduces the drama from the side of the abused boy and his closest friend at school.
This type of script that presents versions of the same fact within a film became known as the RASHOMON model, thanks to the film that master Akira Kurosawa directed in 1950, where a crime had several versions presented during a trial.
Sakamoto’s screenwriting work deserves all the praise and awards it has received. It was the first time that director Kore-eda made a film without using his own script. A sign that saw the excellence of Sakamoto’s story.
The cast of MONSTER is also outstanding. Sakura Ando, Eita Nagayama, Yuko Tanaka (extraordinary as the School Principal who also has a drama in her life) and, mainly, the boys Soya Kurosaka and Hinata Hiragi, who give life to Minato and Yori, the two friends at the center of the story .
A special note to the music of the genius Ryuchi Sakamoto, who passed away recently.
MONSTER has, in each scene, a humanism that is very rare to see. The powerful drama arrives without mincing words, but is surrounded by a deep examination of prejudices, machism, physical and psychological violence, environmental problems, guilt and punishment, loneliness, lies, secrets, a true kaleidoscope of current problems in Japanese society and, therefore, table, of all.
Kore-eda is a master at creating powerful scenes from everyday situations. For example, the scene in which Saori is at school demanding a solution and receives apologies from the Principal and everyone in charge of the school is a cinematic masterpiece. Exemplary.
Like the powerful and surprising ending, where Minato and Yori try to escape a violent storm. There we see not only the excellence of Sakamoto’s script, but also the strength of the direction of a superior filmmaker.
MONSTER is one of the biggest films of 2023.